Geral
A luta antirracista é sua, é minha, é do IF Sudeste MG, é de todos nós!
“Mãe, porque não tem nenhum profissional pretinho? Só tem branquinhos!”
Comprei um jogo da memória com o tema profissões para minha filha de 3 anos, e ela, depois de jogar algumas vezes, me fez a pergunta acima. Advogados, professores, empresários, médicos, bombeiros... estão todos lá representados, mas nenhum deles é negro.
O questionamento da minha filha ficou latejando em minha cabeça. Causou-me um incômodo enorme a falta de representatividade de negros naquele jogo e um incômodo ainda maior o fato de o jogo carregar o título de pedagógico, em letras bem grandes. Que pedagogia é essa que estimula a exclusão e o racismo? O título "pedagógico" naquele brinquedo destinado a crianças pequenas soou-me como uma grave ameaça a minha esperança de um futuro menos racista.
Começando o trabalho de apuração da pauta sobre o Dia da Consciência Negra, entrevistei a professora Rosana Machado, docente do Campus São João del-Rei e referência em questões de negritude no IF Sudeste MG. Apresentei-me, fiz as perguntas, e, num ímpeto, desabafei e contei para ela o episódio do jogo e o incômodo que o ocorrido me causou. Pronto, a entrevista tornou-se um papo de mãe:
“Fernanda, esse episódio que aconteceu com você é muito comum no nosso país. Eu te falo isso como uma mulher negra, mãe da Gabriela, uma menina negra de 13 anos. Sempre enfrentei muita dificuldade para fazer uma festinha de aniversário para a minha filha com o tema de uma personagem com a qual ela se identificasse. Há poucas personagens negras. Na primeira infância dela ainda era mais difícil encontrar uma personagem que representasse minha filha. E o material escolar? Pediram um livro de literatura na escola, eu procurei um que tivesse uma personagem negra e não encontrei na minha cidade, em livraria nenhuma. Felizmente, hoje podemos encontrá-los através da internet. As mochilas precisavam ser de bichinho porque eu só encontrava de personagens brancas. Quando eu encontrava de um personagem negro, ele era sempre coadjuvante”. Rosana também é mãe de Gustavo, 3 anos, branco, fruto de uma relação inter-racial, o que, segundo ela, torna o seu desafio como mãe ainda maior.
A conversa entre duas mães deixou claro que, ao contrário do que dizem algumas autoridades, o racismo no Brasil ainda existe. E o único caminho para que um dia ele seja coisa do passado passa obrigatoriamente pela educação: “O caminho para que o racismo seja coisa do passado, na minha concepção de educadora, é justamente o que temos percorrido no IF Sudeste MG: trabalhar por uma educação antirracista, trabalhar para que pessoas brancas e negras se empenhem no combate ao racismo, à exclusão, à invisibilidade no material didático, na mídia, na representatividade de pessoas negras nos espaços de poder, na política, nos cargos de prestígio e de decisão”, reflete Rosana.
O IF Sudeste MG por uma educação antirracista
O instituto conta com um Grupo de Trabalho de ações afirmativas, criado a partir da Diretoria de apoio ao discente, e que atua dividido em três subgrupos: mulheres; comunidade LGBTQIA+; e quilombolas, indígenas e negros: “O GT amplia a possibilidade de participação nas discussões; alunos, professores, servidores e comunidade externa podem participar. A ampla participação aumenta o diálogo entre os campi, cria uma maior integração. Aliás, vale destacar, que a colaboração entre os campi no período de pandemia está muito intensa”, avalia Rosana.
Apesar de muito falado, ainda não existe um NEABI institucionalizado no IF. A professora explica que existem ações pelos campi e que elas são ligadas a projetos de extensão e de pesquisa de professores e servidores que já trabalham nessa frente.
Os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros constituíram-se incialmente nas universidades brasileiras, e, mais recentemente, nos institutos federais. Os núcleos funcionam como espaços para o desenvolvimento de ações de pesquisa, extensão e ensino no sentido de implementação de ações afirmativas.
Rosana relata que, desde 2016, uma comissão busca a institucionalização do NEABI para que as ações de enfrentamento ao racismo ligadas às ações afirmativas e aos projetos de pesquisa e extensão não estejam atreladas a um professor ou servidor, e sim, sejam uma proposta institucional. No IF Sudeste MG deverá haver um NEABI por campus e seus respectivos presidentes formarão o Fórum de NEABIs. Nos campi, o NEABI será formado por um presidente, um vice e um secretário e outros participantes, entre professores, servidores, alunos e comunidade externa.
A comissão, além do projeto de institucionalização do NEABI, trabalha na implementação de bancas de heteroidentificação para atuarem no sistema de cotas, tanto para o serviço público, quanto para o ingresso de alunos. Até então, tudo era feito por autodeclaração, sistema questionado amplamente por permitir que uma pessoa branca se autodeclare negra apenas para conseguir uma vaga. No próximo processo seletivo já haverá bancas de heteroidentificação.
Ter consciência negra
Basta fazer um pesquisa rápida na internet para descobrirmos que o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira e que a data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista.
Mas, porque ainda é necessário ter um dia para refletir sobre a inserção do negro na sociedade brasileira?
A resposta é simples e doída: porque vivemos em um país marcado pelo racismo estrutural. A realidade nos mostra que não é só num jogo de profissões que o negro não está incluído.
"No Brasil, o Dia da Consciência Negra é fundamental porque a gente vive num país marcado pelo racismo estrutural, então, a gente ter um dia para discutir as questões raciais e dar visibilidade para a população negra, para o racismo estrutural, é fundamental. Para que o racismo seja algo do passado, é preciso modificar a estrutura do Brasil, que faz com negros e brancos estejam de forma muito diferentes em espaços de poder e de decisão, cargos de prestígio e de subalternidade. Profissões subalternas, de alta periculosidade, que não permitem a ascensão tendem a ter maior número de negros. Médicos, juízes, padres, são majoritariamente brancos. Só rompendo com essa estrutura é que a gente consegue ter um futuro diferente”, avalia Rosana.
As afirmações de Rosana estão respaldadas por um relatório divulgado pelo portal vagas.com. De acordo com o levantamento, a maioria dos pretos e pardos ocupam posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%) – percentuais superiores aos relatados por brancos, indígenas e amarelos. Já uma minoria entre os negros relata ocupar cargos de diretoria, supervisão/coordenação e de senioridade, de alta e média gestão: apenas 0,7% têm cargos de diretoria, enquanto entre brancos, indígenas e amarelos, essa proporção é de 2%.
Natane Batista, aluna do Curso Técnico em Administração do Campus São João del-Rei, e integrante do Movimento Pretas Presentes de Resende Costa, ressalta a importância do Dia da Consciência Negra: “A data é muito importante para que possamos refletir e lembrar do que aconteceu com o meu povo na época da escravidão e dos anos de exclusão na sociedade. Ter consciência negra pra mim, é entender que o meu povo passou por um sistema escravista, fomos escravizados por causa da nossa cor e lutamos contra isso até hoje. É saber que algo que aconteceu há 130 anos ainda está muito presente nos dias de hoje. É você apoiar as causas do movimento negro, é estar junto e dar espaço para que nós façamos parte de outros setores e rodas. Temos muitas coisas pra falar. Enfim, ter consciência negra é saber que se você é contra o sistema de cotas, ter colegas pretos não te torna menos racista. Precisamos discutir sobre o racismo em todos os espaços. Precisamos discutir sobre isso no IF também, pois trata-se de uma instituição de ensino que, felizmente, inclui o sistema de cotas, então, é importante conscientizar as pessoas do porquê de as cotas serem necessárias e do quanto as causas do meu povo influenciam nosso ensino e aprendizado”, reflete Natane.
Laryssa Laysla Gomes dos Santos, aluna do Curso Técnico de Informática do Campus Rio Pomba, concorda sobre a importância da data: “O Dia da Consciência Negra lembra a luta dos negros por seus direitos, é uma data de celebração e de conscientização sobre a força, a resistência e o sofrimento que a população negra viveu no Brasil. Ter consciência negra é ter em mente que a escravidão foi abolida, mas que ainda há muita coisa a ser mudada no que diz respeito aos direitos da pessoa negra. Infelizmente muitas pessoas não têm noção do quanto esta data é importante, não têm noção de tudo o que os negros já passaram para ter um espaço na sociedade, um espaço que, ainda nos dias de hoje, é pequeno e exige muita luta”.
A causa é de todos nós
“Tão importante quanto eu, mulher negra, me preparar para o debate, é que os brancos também se preparem. Precisamos estar comprometidos com uma educação antirracista. Se a gente, brancos e negros, quer mudar essa estrutura, precisamos fazer isso juntos”, afirma Rosana.
O IF Sudeste MG acredita que, mais do que não ser racista, é preciso ser antirracista. Causas negras são nossas causas e nos importam. Seguiremos rumo a uma educação cada vez mais inclusiva, igualitária e antirracista.
Participe!
A professora Rosana Machado será uma das participantes da mesa redonda "IF Sudeste MG e a construção de uma educação antirracista". O evento acontece hoje, 20 de novembro, às 19:30, no canal do IF no youtube. Leia mais em: https://www.ifsudestemg.edu.br/noticias/cataguases/campus-avancado-cataguases-promove-evento-sobre-educacao-antirracista.
No Campus Muriaé também haverá programação especial para o Dia da Consciência Negra. “Quem tem medo da encruzilhada: um diálogo sobre intolerância, diferença e o coexistir” será tema de live promovida pelo Campus, na próxima sexta-feira (20/11), às 15h30, no canal do IF no youtube.
*Fontes: site G1 e portal vagas.com.