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Legislação, cotas e literatura marcam as discussões de live sobre educação antirracista
“O que você enquanto branco está fazendo para promover uma educação antirracista?” Foi com essa provocação que a Professora Rosana Machado, do Campus São João del-Rei do IF Sudeste MG, levantou a discussão sobre a importância do combate ao racismo estrutural ser uma luta de todos na mesa redonda "IF Sudeste MG e a construção de uma educação antirracista" realizada no dia 20 de novembro, em comemoração ao Dia da Consciência Negra.
O evento foi organizado pelo Campus Avançado Cataguases, através dos professores Luciano Barbosa e Simone Guedes, que também foram mediadores, e da servidora Patrícia Palma. Como convidados os professores Rosana Machado, Natalino da Silva de Oliveira e a pós-graduanda Pâmella Silva Alves.
Institucionalização dos NEABIs
Primeira a falar, Rosana Machado, que é mestra em artes, docente do Campus São João del-Rei e membro do Subgrupo de Quilombolas, Indígenas e Negros do GT de Ações Afirmativas, trouxe um retrospecto da criação dos NEABIs (Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas). No IF Sudeste MG, essa história começou a ser institucionalizada em 2016 após a realização do I ERAS (Encontro de Relações raciais e Sociedade). O NEABI ainda está em processo de institucionalização.
“Existem diversas legislações que embasam a criação dos NEABI e ratificam sua importância em nossa instituição”, explica. Entre as leis citadas, Rosana abordou a Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afrobrasileira e o Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12. 888/2010 que incentiva a promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e a Lei 12.711/2012 sobre o estabelecimento das cotas raciais. “Uma educação antirracista passa pela curricularização desses temas, institucionalização dos NEABIs e outras políticas como a implementação das bancas de heteroidentificação. Buscamos estrutura, visibilidade e recursos”, finalizou.
Bancas de heteroidentificação
Já Pâmella Silva Alves, que é pedagoga e mestra em educação, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sócio-Históricas em Educação (NEPSHE- UFSJ) e Pós-graduanda em Didática e Trabalho Docente do Campus São João del-Rei, falou especificamente de sua pesquisa de mestrado sobre as bancas de heteroidentificação.
Pamela trouxe um olhar específico, fruto de uma pesquisa universitária, sobre a adoção das bancas de heteroidentificação em três universidades federais: UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). “A banca de heteroidentificação foi um dispositivo para inibir as fraudes, ela complementa a autodeclaracão com uma confirmação feita por terceiros. Essas iniciativas têm que partir de forma autônoma, principalmente dos conselhos das instituições”.
“Na pesquisa, acabamos esbarrando na questão das fraudes, mas por outro lado, vi o quão transformador e elemento de ascensão social é a educação. Todos os sujeitos da minha pesquisa (alunos de cursos de Medicina, Psicologia, Arquitetura e Engenharia) eram filhos de pais que vinham de trabalhos informais, de baixa remuneração e avós que eram analfabetos, sem acesso a educação formal. Mas, hoje eles estão se formando em cursos considerados elitistas e isso, para mim, é transformador”, ressaltou.
Valorização e visibilidade: Literatura Negra
Natalino da Silva de Oliveira finalizou as apresentações. Natalino é doutor em literatura comparada, docente do Campus Muriaé, membro do NEABI IF Sudeste MG, do FOMENE (Fórum Mineiro das Entidades Negras) de Muriaé, do FOPPIR (Fórum pela Promoção da Igualdade Racial) do município e da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.
Natalino, para falar da educação antirracista bebe da literatura e citou autores como Machado de Assis e a obra “Memórias póstumas de Brás Cubas” e a autora Carolina Maria de Jesus do célebre livro “Quarto de despejo”.
“Carolina sofreu com uma questão de racismo linguístico pelo modo como escrevia. Uma pessoa de uma erudição fantástica, mas com um texto com muitas marcas da oralidade” e ainda trouxe o termo “escrevivência” de Conceição Evaristo. Para Natalino, falta em termos literários um debate mais profundo sobre a branquitude, os privilégios da branquitude e autores que abordem esse tema no Brasil.
Após as apresentações, os convidados responderam as dúvidas dos participantes e lembraram com pesar que na véspera, dia 19 de novembro, ocorreu o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, cidadão negro que foi espancado por dois seguranças de uma unidade de um supermercado em Porto Alegre. “Estamos falando aqui de políticas públicas, mas o povo negro ainda precisa lutar para viver e sobreviver”, lamentou Rosana com o reforço de Pâmella e Natalino.
“Precisamos valorizar também as culturas populares negras como um saber, que deve ser reconhecido”, respondeu ainda Natalino, ao ser perguntado como promover ações e atividades sobre a cultura negra.
Por fim, o que ficou foi o recado de que iniciativas como a mesa redonda são só um primeiro passo de uma educação antirracista que será possível com a mobilização conjunta, ou como foi dito pelos convidados: precisamos nos aquilombar.
*Texto da jornalista Juliana Rodrigues de Almeida, do Campus São João del-Rei