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66 anos, uma palavra: o que o Campus Juiz de Fora significa para você?
Histórias. O trabalho de definir o significado do Campus em uma palavra só pode ser concluído por uma expressão que não termine em si mesma. Como resumir em apenas uma ideia o caminho de nossas vidas? No sonho, há o desejo. Na realização, há um lugar - e, no lugar, existe um universo. Em 66 anos de existência, devemos refletir: até onde esse universo chegou e para onde ele deve expandir? Dois enredos, aparentemente muito diferentes, podem ser as estrelas-guias desse caminho. Areadine e Jorge, ex-alunos do Campus Juiz de Fora, são como planetas orbitados pelos mesmos satélites: o crescimento e as possibilidades da educação. Antes de conhecê-los, vamos lá: à história!
O ano era 1957 e, pela primeira vez, a Terra enviava ao espaço o primeiro satélite artificial. Buscávamos, em outro cosmos, encontrar respostas para o desenvolvimento humano. Em solo juiz-forano, uma iniciativa pequena como um satélite, mas com o mesmo potencial de descobrir o universo, buscava, em terra firme, possibilitar que as respostas para a mesma questão fossem descobertas a partir da educação pública, gratuita e de qualidade. O Instituto nasceu como uma pequena escola profissional dentro da faculdade de Engenharia. Tornou-se o Colégio Técnico Universitário e foi saltando entre pontos da cidade, para que, a partir de 1998, em nossa atual sede, os pequenos pulos alcançassem a distância de um foguete. Em 2008, alcançamos as estrelas. A integração com a rede federal possibilitou a construção do Campus como ele é hoje - mais de 20 cursos divididos entre técnicos, graduação e pós-graduação. Aproximando-se do seu septuagésimo aniversário, podemos dizer com muito orgulho: é só o começo.
Crescimento
Sete mil quilômetros e mais de 14 horas de viagem. Numa videochamada quase tão longa quanto a nossa distância até a cidade de Luanda, em Angola, Areadine Manuel relembrava com muita alegria os momentos mais marcantes dos dez anos que passou em terras brasileiras. O caminho para chegar até a realização do seu sonho, coordenar um projeto social para crianças e adolescentes em sua terra natal, foi longo, mas repleto de pessoas especiais pela trajetória e muitos destes vínculos foram criados no tempo em que foi estudante do Campus: "Tive muitas experiências no Brasil, mas o IF.. ah.... dá uma quentinho coração só de lembrar", reflete com o ar de quem tem uma bela história para contar.
Entre risadas e uma contagiante nostalgia de quem relembra tempos de infância, Areadine focava o olhar para o horizonte e tratava de contar dos seus primeiros passos em Juiz de Fora até o momento em que voltou para sua terra natal. Nascida em Huambo, na Angola, ela veio para o Brasil para terminar o curso de Engenharia Civil - que logo descobriu que não era a área que queria para a sua vida: "Não quero construir prédio, mãe. Eu quero construir gente", disse com firmeza para a sua mãe quando decidiu o rumo da sua vida: lidar com pessoas, seres humanos, e ajudar a erguer um mundo melhor.
Em pesquisas sobre os cursos que poderiam ajudá-la a encaminhar esse sonho, em 2015, Areadine ingressou no curso técnico em Eventos no Campus Juiz de Fora. Estava há 5 anos no país, mas ainda não havia criado muitos vínculos com outros brasileiros. Durante o tempo de curso, tudo mudou. A proximidade entre os estudantes e os professores fez com que conhecesse novas pessoas e também encontrasse a si mesma. Os dois anos de curso, lembrados com imenso carinho durante a conversa, permitiram que suas aspirações se aflorassem e se tornasse na mulher que é hoje - uma empreendedora social. “Aproveitei todas as oportunidades que tive no Campus e, modéstia à parte, eu sei ser uma ótima aluna.”, brinca.
Areadine não continuou na área de eventos, mas o caminho que seguiu foi tremendamente influenciado por tudo o que aprendeu no Instituto. Após a sua formação, graduou-se em Design de Interiores e em 2020 retornou para Angola. Hoje, ela é coordenadora geral da Organização Não Governamental (ONG) Jobab Projetos Sociais, uma ecoescola que desenvolve diversos projetos com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade no bairro de Gamek, na capital da Angola. "O que eu levo de mais valioso do tempo de IF é a capacidade de liderar. Foi onde aprendi a tomar a frente das coisas, fazer os projetos acontecerem e a valorizar o potencial de cada um.", confirmou.
Quando questionada se sente falta do Brasil, leva o assunto para todo o trabalho que têm feito nos últimos três anos, com o brilho nos olhos de quem está realizando o seu sonho - permitindo que os mais jovens também possam sonhar: “Meu objetivo sempre foi muito claro, saí do país para me qualificar pensando em um dia trazer toda a minha educação para Angola.”. Por aqui, professores e servidores relembram sua dedicação e alegria com imensa doçura, da mesma forma que ela levou o melhor de seus aprendizados para sua terra natal, também deixou o mais bonito de si em cada brasileiro que cruzou o seu caminho.
Possibilidades
Ao final deste semestre, Jorge Neto será o primeiro surdo a se formar no curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas. Ao ser questionado sobre o que vai sentir mais falta no Campus, responde de bate-pronto: "A comida do RU, é claro!" e esboça uma risada que emite todo o seu jeito extrovertido, brincalhão e leve de levar a vida.
Entrevistado com o auxílio da intérprete do Campus, Ilza Neto, a comunicação em libras não parecia uma barreira, assim como tudo o que enfrentou para chegar até o último módulo do curso. Sua trajetória na educação já é antiga: formado em Arquitetura e Urbanismo, Jorge conta que sempre soube se adequar às dificuldades. "Quando não tenho um intérprete, uso o digitador por voz, gravo, tenho até dois celulares para quando a bateria de um acabar!", e saca dos seus bolsos os dois smartphones - a estratégia astuta que usa para compreender todo o conteúdo das aulas.
Jorge conheceu o Instituto em um momento oportuno para o seu caminho profissional. Indicado por uma amiga que já havia participado de um projeto no Campus, o curso técnico permitirá que conquiste uma promoção no seu atual trabalho, além de abrir um leque de novas oportunidades. "Não quero ficar na mesma função por pena! Eu quero mostrar que surdos não são incapazes e que estou preparado para fazer muitas coisas!" E ele mostrou - aliás, é uma prova viva.
Ilza é a sua acompanhante diária e de mais de 5 outros alunos surdos - uma missão de inclusão e acessibilidade. Quando o questionamos sobre como é a forma que enxerga o mundo, a intérprete faz questão de tomar a palavra, como a testemunha mais próxima da história do estudante nos últimos dois anos: “A história do Jorge está além da superação, também envolve muita força de vontade. Nunca vi ele para baixo, tem um jeito positivo que encanta a todos que estão a sua volta.” e, dessa vez, não interpreta para a entrevista, exalta-o olho no olho, fazendo questão de demonstrar todo o carinho que existe entre os dois.
“Meu sonho mesmo é viajar por aí!”, afirma enquanto relembra as praias e cachoeiras que já visitou com seus amigos. Entre outros desejos, também conta que tem perseguido a sua autonomia nos estudos, na vida, e na realização de todas as suas expectativas. “Muito do que antes me parecia impossível, hoje, ao final do curso, se apresenta de outra forma: muitas possibilidades”. Para o Jorge, para todos os alunos com necessidades especiais do Campus, e todos aqueles que ainda irão chegar, desejamos o mesmo caminho: muitas possibilidades.
Na tarefa de definir o significado do Campus Juiz de Fora em uma só palavra, recebemos a assistência dos alunos, professores, técnicos e terceirizados. O vídeo da campanha é um símbolo da pluralidade de experiências que surgiram a partir de 66 anos de muita dedicação, trabalho e amor - e das longas décadas que ainda virão. O vídeo está disponível abaixo e em nosso canal no Youtube:
Por Fábio Kelbert, estagiário sob supervisão de Laura Chediak.