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Pandemia aumenta ansiedade e pode gerar transtornos alimentares
Estamos há três meses em quarentena. A rotina da maior parte das pessoas foi completamente alterada pela pandemia do Coronavírus. Algumas estão trabalhando de casa, como é o caso da maior parte dos servidores do IF Sudeste MG, outras estão afastadas do trabalho e outras precisam sair para trabalhar, e, para ter o mínimo de segurança, precisam tomar uma série de providências, desde o uso das máscaras até a desinfecção de objetos.
Todo esse contexto pode desencadear diversos sentimentos, segundo a psicóloga do Instituto, Ludmila Pinho: "A pandemia de Covid-19 impacta as pessoas de maneiras específicas, mas dentre as reações mais comuns estão o medo e a preocupação excessivos diante desta grave, desconhecida e invisível ameaça, que deixa muitos de nós em estado de alerta constante e pode gerar um sentimento de impotência diante dos acontecimentos", explica ela.
Conforme Ludmila, o isolamento e o distanciamento social, associados ao cenário de divulgação e consumo excessivos de informações sobre a pandemia; suas consequências políticas e socioeconômicas e as alterações na rotina; podem aumentar e prorrogar esse mal-estar: “A ansiedade e o estresse integram uma resposta adaptativa do nosso organismo a esta nova situação. Esse mal-estar, que pode incluir sinais e sintomas físicos, comportamentais, emocionais e cognitivos, em geral, são temporários, mas quando se mantém e passam a influenciar as atividades rotineiras, tornam-se prejudiciais à qualidade de vida. O medo pode elevar os níveis de ansiedade e estresse em pessoas saudáveis e agravar os sintomas das pessoas com transtornos psiquiátricos pré-existentes", afirma a psicóloga.
Por mais que possamos e devamos adotar medidas de proteção como o distanciamento social e o uso de máscaras, a a pandemia é uma ameaça real e incontrolável. E, segundo Ludmila, quanto mais o evento for percebido como incontrolável ou imprevisível, maiores são as chances de ser interpretado como estressante. A explicação da psicóloga não deixa dúvidas quanto ao potencial estressante que o contexto da pandemia do novo coronavírus tem. E todos esses sentimentos podem acabar causando alterações no comportamento alimentar do indivíduo.
Ansiedade x compulsão alimentar
O comportamento alimentar é formado pela integração dos estados fisiológicos, psicológicos e condições ambientais, portanto, se há alguma mudança nestes estados e condições, podem ocorrer também modificações neste comportamento: “Assim, o estresse e a ansiedade podem refletir no comportamento alimentar, culminando em alterações de apetite que podem variar, desde comer exageradamente (quantidade maior do que a maioria das pessoas consumiria em um período similar, sob circunstâncias semelhantes) - aumentando a frequência da alimentação (como as famosas “beliscadas”) ou desenvolvendo compulsão alimentar - até no estabelecimento de uma rigorosa restrição calórica”, afirma a psicóloga.
De acordo com Ludmila, o medo e a sensação de impotência e desamparo diante dos atuais acontecimentos desencadeiam ansiedade e estresse que podem modificar hábitos alimentares anteriormente saudáveis. Somado a isso, o distanciamento e o isolamento social restringem nossa movimentação, deixando-nos menos ativos e diminuindo as possibilidades de nos exercitar. Estar em casa também facilita o acesso às guloseimas, refrigerantes, bebidas alcoólicas, alimentos congelados e processados, ricos em açúcar, sal e gorduras, aumentando a possibilidade de episódios de compulsão alimentar, ou seja, de consumo de grandes quantidades de alimentos em um delimitado período associado ao sentimento de perda de controle sobre o episódio, seguido de um sentimento de culpa e/ou arrependimento.
Estresse aumenta o apetite
Conforme Ludmila, o estresse pode aumentar nosso apetite, já que eleva os níveis de cortisol – hormônio que auxilia o organismo a controlar o estresse, reduzir inflamações, contribuir para o funcionamento do sistema imune e manter os níveis de açúcar no sangue e a pressão arterial constantes - resultando em maior desejo e consumo de alimentos calóricos, com alto teor de açúcar e gordura, pois eles fornecem energia para alimentar o corpo e prepará-lo para situações de fuga ou enfrentamento. Alimentos ricos em açúcar ativam a dopamina - neurotransmissor relacionado à motivação, prazer e recompensa. Estes alimentos proporcionam, então, conforto e bem-estar a curto prazo.
Excessos podem ser prejudiciais
Comer um pouco mais de açúcar um dia ou outro, via de regra, não vai comprometer a sua saúde. No entanto, o consumo excessivo a longo prazo pode gerar prejuízos à saúde física e mental, pois o armazenamento de gordura no organismo aumenta o risco de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e favorece crises de ansiedade e depressão:
“Então, o que comemos durante o distanciamento social pode ajudar ou atrapalhar o gerenciamento das emoções. O aumento do desejo por alimentos calóricos devido ao estresse e aumento dos níveis de cortisol leva a comer em excesso e pode acarretar um sentimento de culpa e gerar ainda mais estresse e angústia. Vale dizer, também, que quanto maior o uso da glicose pelo corpo em reação ao estresse, maior será o apetite após a situação estressora, gerando um círculo vicioso”, explica a psicóloga.
Mas, atenção, não é porque você exagera uma vez ou outra que tem um transtorno alimentar. Segundo Ludmila, para caracterizar o comer excessivo como transtorno de compulsão alimentar é preciso que ele ocorra pelo menos duas vezes por semana durante seis meses. E, no atual cenário, episódios em que comemos mais vorazmente podem ser mais frequentes, pois, “quando estamos muito estressados apresentamos maior tendência a nos alimentar de forma mais desinibida, como forma de compensar o estado emocional”.
Porém, como a crise imposta pela Covid-19 não tem data certa pra acabar e, portanto, a vida não tem data para voltar a normalidade, é preciso desenvolver algumas estratégias de enfrentamento adaptativas, mais saudáveis e de longo prazo para lidar com isso.
Rotina faz bem
Neste momento, é importante dar continuidade, na medida do possível, à rotina, tentando manter horários para o sono, estudos, trabalho e para as refeições regulares. A alimentação equilibrada e saudável, com direito a satisfazer suas vontades, ajuda a prevenir mudanças de humor, ansiedade e estresse e ajuda na disposição. Ou seja, é preciso lembrar, também, que se o excesso faz mal, dietas muito restritivas também podem aumentar hormônios de estresse e alterar o humor. Ficar um mês sem comer açúcar, por exemplo, pode aumentar as chances de apresentar um comportamento compulsivo diante de um doce. Nesses casos, um nutricionista ajudará na reeducação alimentar.
Além disso, incorporar na rotina exercícios físicos que possam ser realizados em casa regularmente; técnicas de alongamento, respiração e relaxamento muscular progressivo; meditação; yoga; mindfulness (focado na alimentação existe a prática de mindful eating, que trabalha na perspectiva de melhoria do relacionamento com a comida, ajudando a fazer escolhas e comer de forma mais consciente), podem colaborar bastante no manejo da ansiedade. Lançar mão de estratégias já utilizadas anteriormente que o ajudaram a lidar com o estresse também é uma boa dica. Dessa forma, estará empregando e fortalecendo recursos pessoais para promover resolução de problemas.
Dicas
Aproveite o momento para realizar as refeições em família ou com os membros da casa à mesa, evitando realizar outras atividades ao mesmo tempo. Preste atenção no que está comendo e no movimento da mastigação.
Planejar um cardápio pode ser uma estratégia auxiliar ao consumo desenfreado dos alimentos comprados. Não vá até a cozinha antes de decidir o que irá comer. Essa decisão será mais difícil de fazer quando estiver com a geladeira aberta ou em contato com diversos alimentos e você pode acabar comendo algo mais atrativo para os olhos. Tente organizar sua alimentação durante a semana!
Aliás, fazer listas de tarefas e ter horários mais ou menos definidos para a organização das atividades em geral, não somente da alimentação, auxiliam na diminuição da procrastinação e ansiedade por ausência de planejamento estratégico. Assim, estará, mesmo que minimamente, mantendo o funcionamento do seu organismo próximo ao rotineiro. Lembre-se de que a flexibilidade e a negociação são fundamentais neste momento que estamos passando. Sem rigidez e cobranças!
Buscar apoio e conforto em amigos, familiares, colegas de trabalho, de forma virtual, pode ser uma alternativa ao ataque à geladeira ou à uma barra de chocolate, por exemplo, principalmente se não conseguiu se deter e começou a se sentir culpado e triste pelo ato.
As relações sociais são um importante fator de proteção para os indivíduos, e podem ajudar na redução e controle do estresse, medo, desesperança, etc, já que conseguimos elaborar melhor nossos sentimentos através da interação com o outro.
De maneira geral, encarar as emoções, em vez de sufocá-las através dos alimentos é a melhor estratégia. Identificar os gatilhos desencadeadores do estresse e do episódio de compulsão alimentar pode ajudar a lançar mão de estratégias substitutivas e mais saudáveis à alimentação em excesso. É importante refletir sobre o(s) motivo(s) do desejo/busca pela comida. Questione-se: Se não estou com fome, do que realmente necessito? O que estou precisando encontrarei na comida?
Ademais, importa dissociar bem-estar e alívio da ansiedade com o consumo de alimentos, ou seja, ao invés de buscar alívio na comida, procure outras atividades prazerosas. Assim, ocorrerá um redirecionamento positivo da tensão acumulada através de alternativas benéficas à ingestão descontrolada de alimentos.
Por fim, dedique um tempo para o lazer e para relaxar!
Quando estiver frequentemente “descontando” sua ansiedade na comida e apresentar dificuldade em lidar com ela através do uso de estratégias alternativas à alimentação, transformando a comida não em apenas um meio de se alimentar e saciar a fome, mas em algo do qual se é dependente e te faz sentir angustiado, é importante procurar ajuda de profissionais de saúde, como médico, psicólogo e nutricionista.
Permita-se
Ter uma alimentação saudável é essencial para a saúde. No entanto, como já apontado pela psicóloga, satisfazer nossas vontades também é importante. A nutricionista Anne concorda com esta afirmação: “Se bater aquela vontade irresistível de comer doces ou petiscos, coma! Porque não? Só não podemos exagerar! Comer um pouco do seu doce ou petisco preferido não fará mal algum, desde que você não seja diabético, claro. Neste caso, a pessoa deve seguir as orientações do médico”, afirma a nutricionista.
Mas, se aquela vontade de beliscar estiver surgindo com mais frequência do que o normal durante a quarentena, você pode optar por opções mais saudáveis e não menos saborosas do que os processados, industrializados e açucarados. Confira as dicas da nutricionista: salada de frutas, palitinhos de cenoura ou maçã, sorvetes caseiros feitos a base de frutas, espetinhos de frutas ou legumes, chocolate amargo, chips de batata doce/abobrinha/berinjela, batatas assadas, conserva caseira de legumes, oleaginosas: castanhas, nozes e/ou amendoins sem adição de sal, azeitonas dessalgadas, ricota temperada com ervas, pipoca caseira, almôndegas assadas...há uma infinidade de sugestões, você pode procurar por receitas na internet, mas fique atento! Quanto mais caseiro e natural melhor! Sal, açúcar e gorduras devem ser consumidos com moderação.
Ajude-se
Ludmila Pinho ensina duas técnica que podem ajudar a controlar momentos de grande ansiedade.
Respiração diafragmática – “aprenda” a respirar corretamente
Quando estamos ansiosos, geralmente nossa respiração fica mais curta e rápida. Em crises de pânico, a pessoa chega a sentir falta de ar e dor no tórax. Isso porque ocorre a hiperventilação, que ocasiona um desequilíbrio entre as quantidades de oxigênio e gás carbônico no organismo. Ao hiperventilar, há diminuição do gás carbônico e um aumento considerável do oxigênio. Ao respirar pelo tórax, os batimentos ficam mais rápidos, provocando mudanças em todo o funcionamento do organismo, o que pode gerar sintomas como dores de cabeça, sensação de asfixia, tontura, hiperpneia (aceleração e intensificação dos movimentos respiratórios), taquipneia (aceleração do ritmo respiratório), dispneia, palpitações, dores no peito, parestesias (sensação anormal e desagradável sobre a pele que assume diversas formas, como queimação, formigamento, coceira etc), fraqueza generalizada e desmaio.
Já a respiração diafragmática é mais profunda, lenta e suave, garante o equilíbrio entre o oxigênio e o gás carbônico no sangue e o ritmo adequado dos batimentos cardíacos, levando a sensação de calma e relaxamento.
Como fazer?
Posicione-se de forma confortável, sentado ou deitado. Coloque a mão no abdômen, próxima ao umbigo. Feche os olhos e se concentre em sua respiração. Inspire pelo nariz contando até 3, de modo que sinta os pulmões enchendo de ar e o abdômen subindo (barriga estufada).Você pode imaginar que está enchendo uma bexiga que está dentro de sua barriga. Expire lentamente pela boca, contando até 3, esvaziando o abdômen (barriga encolhida). Evite excesso de movimento torácico durante os movimentos respiratórios, fazendo mais movimentos abdominais.
Para pessoas que se sentem frequentemente ansiosas e/ou que já tenham transtorno de ansiedade, entre o passo 3 e 4, inclua o exercício de prender a respiração contando mentalmente até 3, mantendo a barriga estufada. No passo 4, expire contando até 6. Repita algumas vezes o exercício respiratório todos os dias.
Faça esse exercício também antes das refeições, ajudará a comer mais calmamente, evitando que coma por impulso e mais do que realmente necessita.
Técnica Grounding
Para os momentos que estiver se sentindo muito ansioso (apresentando sintomas físicos e pensamentos de preocupação/ antecipação quanto ao futuro), a técnica Grounding consiste em primeiramente focar na respiração e depois identificar:
5 coisas que você pode ver (fale o nome dos objetos em voz alta, se puder)
4 coisas que pode tocar (enquanto lista, imagine a sensação de tocá-las)
3 coisas que pode ouvir (preste bastante atenção em cada som, um por vez)
2 coisas que pode cheirar (imagine-se sentindo o cheiro dessas coisas)
1 coisa que pode sentir o gosto (imagine-se sentindo o gosto)